quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Hoje acho que conversei com um "anjo" - Ou - Pare de reclamar a toa!




Post meio estranho, e longo, pra quem me conhece, mas necessário; necessário as vezes parar pra ouvir, e pensar; e ver que não temos direito de ser tão egoístas e cegos.

Trabalho 2 dias da semana em posto de saúde, atendendo pessoas de todos os níveis sociais, histórias, dramas e destinos.
Sempre tento ser o mais atencioso possível, conversando, entendendo, atendendo, acalmando e confortando pacenciosamente e efetivamente.

Uma família que atendo a tempos, mas nunca tive tempo de conversar mais a fundo, compareceu num momento mais calmo e pude ter uns minutos de conversa muito tocante. Uma senhora que vim saber ter 72 anos , de ascendência índigena, sempre me trazia um filho e um neto portadores de deficiências mentais de nível leve para atendimento já a alguns anos.

No meio do atendimento, entre amenidades, me pediu desculpas por não ter comparecido às últimas consultas pois o "meu velhinho" (sic.), havia morrido. Eu e minha auxiliar de consultório ficamos ali, um pouco, consolando a já emocionada senhora e paramos então para ouvir e conversar um pouco.

Esta senhora, muito humilde mas de uma vivacidade, lucidez, serenidade e intensidade no olhar imenso nos deu uma lição de vida, de abnegação, de humildade e fortaleza e gratidão como jamais havia tido.
Ela, residindo numa simples casinha a anos com seu marido, este já falecido agora, enfermo e diabético, amputado de uma perna; um outro filho com deficiência mental; um neto que foi rejeitado, por também ter deficiência, pela nora, já afastada da família , casada com seu único filho são; mais um outro filho com deficiência intelectual, diabético, amputado de uma perna e a outra perna com um fêmur fraturado que não se pode corrigir devido ao diabetes, sempre de cama. Um quadro dantesco de dor numa família marcada pela trágica presença de doenças genéticas e degenerativas, pela pobreza, pelo desamparo, pela necessidade constante e urgente de apoio e caridade alheia.

Esta senhora nunca, nunca! Nunca a todos que a conheceram antes de mim, a quem comentei o caso, ou a mim, dirigiu uma reclamação qualquer do seu estado ou sua condição. Sempre se apresentou calma, lúcida, carinhosa com os seus e preocupada com o bem estar de todos os familaires que demandavam um esforço imenso em atenção.

Uma trajetória de vida que a partir de agora, em mim, serve de exemplo para não levantar uma reclamação a mais sequer de coisa que não tenha importância maior, pois que reclamamos de tudo tendo tudo. Ou a vida é assim tão terrível, irremediável e injusta por não termos ou não conseguirmos na hora tudo que "achamos" que temos que ter, por mais urgente ou irremediável que nos pareça? Se há como se diz, deconsiderando questões místicas, religiosas: 'O peso da "cruz" de cada um', e vemos que uns não se curvam diante da cruz mais pesada, ao contrário, andam de pescoço erguido e mirando sempre o futuro com amor e esperança, dando amor aos seus apesar de todos os revezes. Então porque insistimos em nos lamuriarmos de pesos tão leves e passageiros do cotidiano.

Não quero com isso dizer: " Ufa, o problema dela é maior que o meu, como sou feliz!" Não, nada disso. Existem diversos caminhos nessa vida, uns extremamente duros mas existem as formas certas de enfrentá-los e algumas pessoas nos dão uma luz, que provam atravessar a escuridão mais densa, uma luz embasada na calma, na humildade, resignação, temperança e afeto. Uma luz ( lucidez e percepção) que devemos nos espelhar para enfrentarmos nossos miseros "problemas diários" . Um dia quisera eu ter a força dessa senhora para enfrentar a vida e o que me surgir assim de peito aberto; por isso eu digo, hoje um anjo desceu lá no consultório e nos deu uma lição impressionante e tocante de dedicação e abnegação. Se dizem que algumas pessoas já tem um lugar ao céu, essa senhora é uma delas.

Todo o esforço é visto e recompensado, depois vim a saber que toda a comunidade do distrito aonde mora ajudou-a construindo uma casa e provendo os meios necessários para tornar a casa confortável e a vida menos pesada. Negociantes, líderes comunitários, pequenos empresários locais, tocados pela situação estão tratando de manter a família em condições decentes e seguras quanto a alimentação, habitação e atendimento psicosocial.

É interessante refletir um pouco, porque isso tudo me tocou bastante.